terça-feira, 22 de março de 2016

Roteiro e Preconceito (por JJ Marreiro)





“Futebol é uma caixinha de Surpresas” e “Em clássico não há favorito” são máximas do futebol. Máximas, axiomas, adágios ou ditados, dá no mesmo. Uma sentença razoavelmente racional cuja lógica é tão evidente que a torna socialmente aceita sem polêmica. Aqueles que já viram entrevistas ou depoimentos de Osamu Tezuca, Maurício de Sousa ou Stan Lee possivelmente já tiveram contato com esta máxima dos quadrinhos: “A coisa mais importante numa História em Quadrinhos é a História”.

E é mesmo. Tanto que em Português a palavra História vem antes de Quadrinhos na própria denominação das HQs.Uma capa bonita pode vender uma revista, mas uma história bem contada é que vai garantir que o leitor queira colecionar a revista e acompanhar a jornada dos personagens.



 Assim como existem máximas que tem um poder lógico forte e evidente existem dogmas e preconceitos que se perpetuam por falta de análise crítica e denotam preconceito e desinformação (ou mera imbecilidade). Por exemplo: “O Brasil não tem bons roteiristas de HQ”.

Normalmente essas sentenças são proferidas por quem não conhece o trabalho de André Diniz, Alexandre Lobão, Alexandre Nagado, Anita Costa Prado, Ataíde Braz, Danilo Beiruth, Daniel Esteves, Fernando Lima, Flávio Colin, Flávio Teixeira, Gian Danton, Júlio Emílio Braz, Laudo Ferreira Jr, Leonardo Santana, Leonardo Melo, Marcelo Marat, Marcelo Cassaro, Roberto Guedes, Wellington Srbek ou Wilde Portela (pra manter uma lista curta e já pedindo desculpas pelos excelentes escritores que ficaram de fora desta citação). É possível pensar que um estúdio como o de Maurício de Sousa esteja no mercado a mais de 50 anos sem bons roteiristas?


Generalizações tendem a ser odiosas porque tendem ao preconceito e o preconceito anda de mãos dadas com a desinformação. Então, é possível falar mal de roteiristas brasileiros? Sim, claro! Mas tachá-los de ruins simplesmente porque não estão disseminados nas bancas ao lado dos títulos importados da DC e Marvel é no mínimo falta de visão. O espaço do quadrinho brasileiro é outro, o cenário é outro, a realidade é outra! Conhecemos Allan Moore, Neil Gaiman, Garth Ennis simplesmente porque eles são publicados regularmente em revistas que possuem boa distribuição e com personagens e marcas que possuem tradição e solidez. Isso é muito mais do que se pode dizer de 90% de qualquer quadrinho nacional.

Outra crítica comum, e igualmente descerebrada que surge nesse contexto: "O Brasil não tem um Allan Moore ou um Neil Gaiman". Reflita: O Brasil precisa mesmo de um Allan Moore? De um Neil Gaiman ou de um Mark Millar? Ou o Brasil precisa de um autor que seja ele mesmo, por ser ele mesmo, sem precisar copiar os trejeitos, gags, recursos e soluções de um gringo? Ou, melhor ainda: será que o necessário de fato não seriam publicações sólidas e regulares onde vários autores pudessem mostrar seu potencial enquanto são remunerados condignamente por isso?

Não dá pra comparar a quantidade de quadrinhos publicados por DC ou Marvel ou Bonelli com a quantidade minguada da produção nacional. Se há bons escritores nos Estados Unidos, Europa ou mesmo Japão, dada a quantidade absurda de títulos— esteja certo — se há bons escritores lá, há também péssimos escritores que não ganham fama por aqui simplesmente porque não são publicados fora do mercado de seus países. Antes de encerrar: É necessário combater essa postura ridícula de que só o que é de fora é bom, isso nega a competência do brasileiro em qualquer área.

Se você não quer parecer um idiota completo, tente não “expelir” por aí esse dogma imbecil de que o Brasil não tem bons roteiristas. Tudo que você vai conseguir com isso é mostrar pras pessoas que você não sabe NADA sobre quadrinhos brasileiros.

MAIS:
Complexo de Vira-Lata 
Roteiro de Quadrinhos (Blog com dicas, entrevistas e matérias sobre a produção de roteiros para HQS. Por Gian Danton)
Resenha do Livro Como escrever Quadrinhos

http://jjmarreiro.blogspot.com.br/2013/11/jj-marreiro-profile.html


http://roteiroquadrinhos.blogspot.com.br/

http://laboratorioespacial.blogspot.com.br/2015/08/de-gian-danton-como-escrever-quadrinhos.html

2 comentários:

  1. Uma bela matéria só tenho que aplaudir! S e o Mercado de Quadrinhos é ainda mais apertado para quem é só o Roteirista pois como o Desenhistas não tem a mínima garantia de que vai conseguir publicar seus trabalhos não tem como buscar Roteiros e acabam publicando suas próprias histórias e um ótimo Desenhista não tem quer ser necessariamente um ótimo Roteirista!

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    1. Obrigado pelo comentário, Veloso. E suas observações são, não somente assertivas mas oportunas. É necessário que editores, artistas, escritores, produtores, leitores, vendedores e distribuidores pensem melhores soluções para a produção nacional constantemente, talvez com isso esta produção atinja a remuneração condigna.

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