segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

Surfista Prateado: O Herói Filósofo ! (por Gian Danton & JJ Marreiro)




Uma das inovações da Marvel era o fato de que vilões poderiam se regenerar e se transformar em heróis, o que de fato, combinava com a proposta de realismo das histórias. A espiã Viúva Negra e o Gavião Arqueiro são exemplos disso, mas o vilão-herói mais famoso da editora seria o Surfista Prateado, um personagem tão bom que virou cult, ganhando a simpatia dos setores mais intelectualizados da população. Afinal, o surfista era um herói filósofo.

O surfista surgiu na revista Fantastic Four 48, em 1966, no arco conhecido como Trilogia de Galactus. Stan Lee escreveu uma sinopse sobre um ser super-poderoso que vinha à Terra para sugar a energia do planeta e deu para Jack Kirby desenhar. Quando Jack trouxe as páginas para que Lee colocasse os textos e diálogos, havia uma novidade ali, um personagem que não aparecia na sinopse original. Ele justificou dizendo que um ser tão poderoso quanto Galactus deveria ter um arauto, que procurasse mundos a serem devorados. Stan Lee adorou a ideia e o visual do personagem, que parecia ter uma postura nobre: "Quando chegou a hora de estabelecer o seu padrão de discurso, comecei a imaginar de que forma um apóstolo das estrelas se expressaria. Parecia haver uma aura biblicamente pura no nosso Surfista Prateado, algo altruísta e magnificamente inocente".

Ao final da trilogia, a editora começou a receber cartas de fãs pedindo uma revista daquele novo personagem, mas Stan Lee e Jack Kirby estavam muito ocupados para pegar mais essa empreitada. Quando Roy Thomas entrou na Marvel como assistente editorial, Lee se viu com tempo para se dedicar ao novo projeto. A revista estreou em 1968 e foi, aos poucos, contando a história do amargurado herói.











Assim, o Surfista é Norrin Radd, um jovem cientista do planeta Zenn-La que aceita tornar-se arauto de Galactus afim de que ele poupasse sua terra natal. Ao se voltar contra seu mestre quando ele tentava devorar a Terra, Galactus condena-o a ficar eternamente preso ao nosso planeta. Isso para ele é uma tortura dupla, pois ele não pode voltar ao seu planeta natal, nem rever sua amada Shalla bal. Além disso, vindo de um local mais avançado eticamente e tendo uma alma extremamente nobre, ele sofre ao ser obrigado a conviver com os ambiciosos humanos, que o caçam por ser diferente.

As aventuras do Surfista permitiram a Stan Lee exercitar o lado humano de seus roteiros ao trabalhar com um personagem angustiado. Para desenhar as histórias ele chamou John Buscema, que era muito influenciado por Jack Kirby, mas tinha uma melhor capacidade para mostrar dramas humanos.



Os monólogos angustiados do protagonista, geralmente no início das histórias tornaram-se a marca da série. Como esse, publicado no número 6 da revista: "Até quando devo continuar aprisionado no selvagem planeta Terra? Não! Este não pode ser meu destino eterno! Não foi para isso que renunciei ao meu mundo, minha vida e meu amor! Por certo, em todo o universo não pode haver ironia mais cruel do destino! Eu, que detenho um poder além da compreensão de qualquer ser humano... estou fadado a viver confinado e sem esperanças... tal qual o mais frágil dos animais! Aqui eu sou odiado... e temido... pelos mesmos seres que meu coração só deseja ajudar! Meu coração! Eu disse... coração? Como poderia ser... se não tenho mais coração? Afinal, eu o abandonei no planeta Zenn-la... a inúmeras galáxias de distância... com aquela a quem amarei para sempre! Zenn-la... onde meu mundo começa e termina... onde eu deixei minha amada Shalla Bal!".

A revista era avançada demais para uma época em que predominavam heróis violentos e fez pouco sucesso, durando poucos números, mas ganhou fãs fervorosos.

Nos anos 1980 o herói virou cult ao ser citado pelo personagem Richard Gere no filme A Força do amor, refilmagem de Acossado, de Godard. Desde então, críticos e fãs redescobriram o personagem, que acabou sendo a grande estrela do segundo filme do Quarteto Fantástico.


Surfista Prateado, a animação (1998):
Após ter participado, através dos tempos, como convidado de episódios dos desenhos animados de Quarteto Fantástico e Homem-Aranha o Arauto de Galactus ganhou em 1998 seu próprio programa. O traço calcado no estilo forte e "rude" de Jack Kirby aliado ao uso extensivo de computação gráfica renderam muitas críticas. Por um lado a arte de Kirby não é palatável para audiências incautas, por outro a inserção de computação gráfica parece provocar uma "quebra" no deleite visual do traço de Kirby. A forma como a história do herói é construída, sua personalidade, seus aliados e vilões, a trama como um todo não possuem os mesmos batentes de compreensão e fluem ajudando inclusive a suplantar eventuais desconfortos visuais para civis e kirbyans. Há de se lamentar que a série veiculada pela Fox Kids tenha tido apenas uma temporada. Visivelmente o personagem renderia facilmente 8 temporadas repletas de ação, conspirações e reflexões.


Surfista Prateado no Cinema (2007):
Quarteto Fantástico e o Surfista Prateado é o filme que apresenta o Surfista Prateado ao universo dos civis. Bem construído com uma voz profunda (voz de Lawrence Fishburne e personificação de Doug Jones) e com um razoável (não excelente) aspecto visual, o herói espelha sua trajetória nos quadrinhos do Quarteto surgindo como uma terrível e enigmática ameaça e ganhando humanidade aos poucos, até revelar um lado heroico. A falta de coragem (ou de recursos) da Direção do Filme deixaram ausente o que poderia ter sido a salvação desta franquia nos cinemas: Galactus. Mostrado vergonhosamente como um indiscernível vulto fumacento, o Devorador de Mundos provocou na audiência a expectativa de um retorno mais digno noutra produção. Apesar de ter uma Sue Richards Latina e um Tocha Humana supervalorizado, o filme como um todo não é um desperdício total, afinal de contas o Surfista Prateado está lá.

MAIS:
Surfista Prateado (1998) série completa

http://laboratorioespacial.blogspot.com.br/2018/02/surfando-entre-as-estrelas-por-jj.html
 http://laboratorioespacial.blogspot.com.br/2017/05/jack-kirby-100-anos.html




3 comentários:

  1. Opa, excelente artigo!! Vale lembrar que o Surfista também ilustrou a capa do disco de guitarrista Joe Satriani, Surfin´ with the Alien.

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    1. Bem lembrado, Geraldo! E foi com arte do indefectível John Byrne :) ótimo disco por sinal! Obrigadão pelo comentário!

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  2. Sempre fui um tanto eclético nos quadrinhos, isto me permitia curtir a boa e velha pancadaria mas também admirar heróis e vilões que tinham muito mais conteúdo e substância para oferecer, assim foi com Surfista, Tron, Manto e Adaga, e Dr. Manhattan. Seus dramas pessoais e suas reflexões sempre foram marcantes para mim. Infelizmente estes eram sempre deixados um tanto à margem de outros heróis cuja tendência era sempre ir pelo seguro caminho da pancadaria e posteriormente do humor fácil.

    A propósito tem um "afim" ali em cima ;)

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